Ainda não tem produtos!











BETTY BETTIOL EM ENTREVISTA PARA DESIGN DÉSIR
FEITOS PARA VOAR
Betty e Luiz Carlos Bettiol compartilham a paixão pela vida e um acervo de mais de 2 mil peças de arte
“Resolvi que queria aprender a voar. Voar. Tirei brevê, junto com meu marido, e comprámos um pequeno aviãozinho. Foi a coisa mais fascinante que poderia acontecer na minha vida”, conta Betty Bettiol sobre o momento-chave de sua paixão pela arte. Uma paixão frutífera, que gerou um acervo de mais de 2 mil peças arte, artesanato e design, uma das principais coleções de arte brasileira do Distrito Federal.
Nesse aviãozinho o casal Betty e Luiz Carlos Bettiol cruzaram o país saindo visitando cidades, colecionando histórias, amigos e objetos de arte. Exploraram um Brasil profundo, cortado por poucas estradas mas dono de muitas histórias e criatividade, alheio à fria maquinação das metrópoles e embalado no ritmo da natureza e no tempo das coisas.
Betty e Luiz fizeram em seu avião uma ponte entre o tradicional e moderno, reproduzindo talvez involuntariamente o espírito fundador do modernismo brasileiro, oscilante entre a tradição local e a vanguarda universal. O olhar atento, pessoal e afetivo para a arte dos Bettiol uniu em um mesmo acervo o sacro, o popular e o moderno, reproduzindo um microcosmo de um Brasil otimista e sonhador, que construía seu futuro sem se perder de seu passado.
Raiz do povo brasileiro
“Eu e o Luiz conhecemos a raiz do povo brasileiro, o caboclo, o caiçara, de norte a sul, do Piauí ao Rio Grande do Sul, o Brasil inteirinho. Todo fim de semana nós íamos para uma cidade, comprávamos uma obra, ficávamos conhecendo um artesão de verdade. Peças autênticas, legítimas, conheci cada um dos autores almocei com cada um, conhecia a vida deles”, relembra Betty.
Seu relato mostra uma relação espontânea e natural com o processo produtivo e o próprio artista. Uma paixão que nascia da necessidade de buscar e de se conectar. “Nunca comprei um quadro pensando no valor financeiro, sempre gostava do quadro primeiro, e segundo, queria conhecer o artista. Todos viraram meus amigos!”, diz Betty.
Chegada ao planalto central
A paixão de Betty e Luiz Carlos pela arte vem de longa data. Na juventude, tanto ela como Luiz Carlos, frequentavam, ainda sem se conhecer, o “clubinho”, como era chamado o Clube dos Artistas e Amigos da Arte, espaço de referência da vanguarda modernista das artes plásticas na São Paulo dos anos 1950 e 1960.
Recém-casados, chegaram a Brasília nos primórdios dos anos 1960, pioneiros na terra nua entre os grandes espaços vazios da capital federal. Formado em direito pela USP, Luiz Carlos Bettiol assinava uma das primeiras inscrições da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do recém-criado Distrito Federal, dando início a uma bem-sucedida carreira na advocacia empresarial. Betty se ambientava à vida na nova cidade, à criação dos filhos, e desenvolvia seu interesse pela arte e pela produção artística, explorando, na época, técnicas de bordado em tapeçaria portuguesa.
Em uma viagem à Bahia se deparou com o artista Genaro de Carvalho, um dos expoentes da vanguarda modernista brasileira, dedicado, como ela, à tapeçaria. “Fiquei encantada! Imagina, conhecer um tapeceiro brasileiro, com aquele tapete moderno. Maravilhoso!”. O encanto transformou o trabalho de Genaro na peça número da nascente coleção do casal.
A casa do lago
À medida em que os Bettiol foram se estabelecendo na capital, foi aumentando o interesse pela arte, o tamanho da coleção e o espaço necessário para acomodá-la, tomando conta do espaço e da vida da família. De uma pequena casa na W3 sul se mudaram para um apartamento amplo no Plano Piloto, e por fim, para a casa definitiva, em um terreno à beira do Lago Paranoá.
“Vi que seria bom comprar outras coisas, ao invés me preocupar com outras coisas... Por que não me interessar mais pela arte?” reflete Betty, que complementa: “Já era uma coisa minha, de nascimento. Aos poucos fomos comprando uma coisinha aqui, uma coisinha lá, de repente eu vi que minha casa já estava apertada, já estava com muita coisa, os filhos tinham crescido... e resolvemos mudar para um apartamento com muito espaço. Fomos comprando, naturalmente, mais peças de arte.”
No fim dos anos 1970 começou a construção da casa no logo, ao lado do Iate Clube, no mesmo endereço onde o casal recém-chegado à capital ia nos fins de tarde assistir ao pôr-do-sol. O projeto foi do arquiteto José Zanine, “mago da madeira” , define Betty.
Zanine foi um dos expoentes do modernismo brasileiro, conhecido pelas casas de amplos pavimentos com estruturas de madeira revestidos de vidro à beira do mar na Joatinga, no Rio de Janeiro, levantadas nos anos 1960 e 1970. Amplos espaços e proximidade com a natureza foram os guias do projeto da morada definitiva dos Bettiol à beira do Paranoá.
A casa foi preenchida com o acervo de peças de arte moderna, sacra e popular brasileira, e ocupada com móveis desenhados sob medida pelo próprio Zanine, por peças clássicas de expoentes modernistas como Sérgio Rodrigues, Jorge Zalszupin, Joaquim Tenreiro, e de Maurício Azeredo, artista estabelecido em Pirenópolis (GO).
“A casa é viva, se mexe, ouvimos o som da madeira que estala. O barro, o vidro, é uma casa feita com elementos da natureza” conta Betty sobre o lugar onde mora e, conta, não é um museu. Não é um museu porque tem vida. A mesma vida que cria arte, que faz voar, e inspira todos os que conhecem o casal Betty e Luiz Carlos Bettiol.